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Ingombotas e Bairro Operário: A história de dois bairros que moldaram Luanda.

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Luanda é uma cidade-laboratório. Nela se cruzam histórias de colonialismo, segregação, resistência e reinvenção. Estudar seus bairros é abrir janelas para compreender como o poder colonial português desenhou o espaço urbano e como os angolanos responderam, construindo identidades próprias e tecendo resistências.

Dois desses bairros, Ingombotas, hoje município, mas aqui tratado como Bairro,  e Bairro Operário, foram protagonistas silenciosos das mudanças sociais e políticas entre os anos 1940 e 1960, período marcado pela chegada em massa de portugueses, pela segregação espacial e pelas tensões que antecederam a luta de libertação.

A chegada dos portugueses e a cidade dividida

A década de 1940 transformou Luanda. Com a nova política de ocupação colonial, milhares de portugueses desembarcaram na capital. Esse fluxo alterou a demografia, pressionou a antiga elite crioula e desenhou o que a socióloga Cristine Messiant chamou de “racialização topográfica”: de um lado, a “cidade branca” no centro; do outro, a “cidade negra” nas periferias.

O Estatuto do Indigenato (1926) reforçava essa separação, classificando os habitantes entre portugueses, assimilados e indígenas. A lei não só regulamentava o trabalho, como também limitava a ascensão da elite crioula, que havia conquistado certo espaço social no início do século XX.

Para acomodar a nova população europeia, em 1942 o urbanista francês Étienne de Gröer e o português David Moreira da Silva elaboraram o primeiro grande plano de urbanização de Luanda. A ideia era clara: construir cidades-dormitório para os colonos e afastar os africanos dos centros urbanos. O projeto consolidava, em concreto e asfalto, a política de exclusão.

Ingombotas: o reduto da elite crioula.

O bairro das Ingombotas, cujo nome vem do quimbundo Ngambota (“foragido estabelecido”), nasceu no século XVII a partir de um acampamento de escravos e da Igreja do Rosário. Com o tempo, transformou-se em espaço de distinção da elite crioula nativa.

Na virada do século XIX para o XX, morar nas Ingombotas era símbolo de status. O bairro sediou a primeira associação literária de Angola e, nos anos 1930, abrigou a Liga Nacional Africana, que articulava a elite letrada e buscava afirmar uma identidade africana no seio da cidade colonial.

Mas o processo de urbanização encareceu a vida no bairro. Somado à perda de espaço político e ao Estatuto do Indigenato, muitos crioulos migraram para novas zonas residenciais, como Maculusso, Maianga e o emergente Bairro Operário.

Bairro Operário: resistência e união.

O Bairro Operário nasceu no início do século XX para abrigar operários da Real Companhia dos Caminhos de Ferro de Luanda e da Estação de Água. As casas eram modestas, mas dignas — superiores às dos musseques, embora longe do conforto da “cidade branca”.

Ali se instalaram famílias emblemáticas, como os Mingas e os Van-Dunem. Também foi lar de Agostinho Neto, futuro primeiro Presidente de Angola. Apesar das carências — ruas sem pavimento e iluminação, como ironizou Arnaldo Santos no conto Bairro Operário não tem luz —, o bairro tornou-se símbolo de resistência.

Nos carnavais, crioulos, assimilados, nativos, portugueses, cabo-verdianos e são-tomeenses celebravam juntos, ao som de Emilinha Borba, Luiz Gonzaga e, sobretudo, do grupo angolano N’Gola Ritmos, que nasceu ali e se tornou um ícone cultural.

O Bairro Operário, fronteiriço entre a “cidade branca” e os musseques, tornou-se espaço de convivência, mistura e, sobretudo, de articulação política. Foi ali que o desejo de libertação ganhou forma concreta, ecoando as sementes plantadas nas Ingombotas.

Dois bairros, uma memória

As trajetórias das Ingombotas e do Bairro Operário revelam como Luanda foi moldada por deslocamentos forçados, mas também por criatividade e resistência. Um bairro, espaço da elite crioula que buscava afirmar sua identidade; o outro, território popular que se converteu em símbolo da luta nacional.

Ambos permanecem, na memória de quem os viveu, como marcos da história urbana e política de Angola. Ao revisitá-los, revisitamos também as raízes da construção da identidade angolana.

Por Alberto Domingos.

Readaptado do texto original do Professor de história da África da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Washington Nascimento ao Por Dentro da África.

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