A exegese do direito dos contractos permitem detectar alguns parâmetros que definem as suas coordenadas básicas, que se reduzem, essencialmente, a quatro grandes princípios: o da liberdade contractual, o da consensualidade, o da boa- fé e o da força vinculativa.
Partindo-se do estudo aglutinado destes princípios, é possível expor todos os aspectos relevantes da disciplina geral dos contractos. Vamos considerá-los, os princípios, sucessivamente:
Os Princípios da Liberdade Contractual
Uma das características que assinalámos ao Direito das Obrigações (Vide. Cap. I da 1.ª Parte) foi a da autonomia privada, da vontade ou liberdade negocial ou contractual que traduz a amplitude deixada aos particulares para disciplinarem os seus interesses. Esta faculdade de auto-regulamentação exprime-se, aqui, no princípio da liberdade contractual ou liberdade de contractar.
O Cód. Civil afirma-o com toda a nitidez no pórtico das normas que dedica aos contractos: «dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contractos, celebrar contractos diferentes dos previstos neste código ou incluir neste as cláusulas que lhes aprovou» (v. gr., art. 405. º, n.º 1)
O Princípio da Autonomia Privada é, sem dúvida, o rei entre os Princípios fundamentais do nosso Direito Civil, porém não por causa de ser superior aos outros princípios, mas, mais propriamente por acusa da sua utilização frequente nas relações jurídicas reguladas pelo Direito Civil que protege o poder de autodeterminação do homem de duas maneiras:
(i) na liberdade negativa, v, gr., a proibição de ser constrangido a praticar ou deixar de praticar um facto por outrem e;
(ii) na liberdade positiva, v, gr., a permissão para participar ou deixar de participar um facto que não seja proibido ou prejudicado por direitos ou interesses jurídicos de outrem, Boa-fé, bons costumes ou princípios de ordem públicas.
Com efeito, os conflitos de interesses na sociedade podem ser resolvidos por via autoritária ou autónoma. No domínio do Direito Civil predomina a via autónoma com poder de autodeterminação que possibilita às pessoas a ter uma função jurisgénica ou seja que as pessoas podem ser consideradas como produtoras de efeitos jurídicos.
Uma parte do poder de autodeterminação do homem é constituída pela autodeterminação privada.
Podemos entender autonomia no sentido amplo como o espaço de liberdade reconhecido à pessoa dentro da ordem jurídica (o poder que as pessoas têm de atribuir leis a si próprio e de se reger por elas) ou no sentido restrito, quando a autonomia privada corresponde à liberdade jurígena (o domínio, onde podem pessoas resolver as suas actividades jurídicas através da celebração dos negócios jurídicos)
A autonomia privada manifesta-se na liberdade do exercício dos seus direitos que caracteriza o direito subjectivo (por exemplo a destruição dos seus próprios bens).
Todavia, os princípios da Autonomia Privada projecta-se na liberdade contratual (v. gr., art. 405º do C.C.) no entanto, também na Constituição (v. gr., a tutela do reconhecimento da iniciativa, privada (art. 61.º da CRA), tutela da propriedade privada (arts. 14.º, 38.º e 89.º, n.º 1, al b), da CRA) Penetra em quase todos os domínios do Direitos Civil (direito reais, direitos da Família, Existência da relação jurídica) para a constituição, modificação e extinção das relações jurídicas imobiliárias precisamos primeiro de declaração de vontade dirigida a estes efeito. Os actos jurídicos, cujos efeitos são produzidos pela manifestação de vontade segundo uma intenção da constituição, modificação ou extinção das relações jurídicas chamam-se negócios jurídicos e são uma manifestação de principal princípio da autonomia privada e assim da autonomia da vontade.
Como já sabemos, o domínio do Direito Civil onde o princípio da autonomia privada mais se explica é, sem dúvida, o da liberdade contractual (art. 405.º do Cód. Civil) esta liberdade é constituída por três liberdades especiais: liberdade de celebração de contracto, liberdade de conclusão de contracto e liberdade de modelação, fixação ou estipulação de conteúdo do contracto.
A liberdade de celebração de contracto implica o direito de livremente entrar nas relações contractuais ou recusar esta entrada. Todavia, há casos em que é obrigatório para certo sujeito a celebração do contracto. Estas restrições da liberdade de celebração do contracto podem existir nos três tipos supra.
Um dever de contractar, pelo que a recusa de contractar não impede a formação do contracto (v.g. o contracto de seguro de responsabilidade civil do condomínio);
. A proibição da celebração do contrato com certas pessoas (V. g., a proibição da venda aos filhos e netos sem acordo dos outros filhos e netos e a nulidade relactiva da venda feita contra esta proibição – art. 887.º do C.C);
A aquisição da autorização do terceiro sujeito para a celebração do contracto.
A liberdade de modelação do conteúdo de contracto significa que as partes podem livremente fixar o conteúdo do contracto seja o contracto típico ou nominado (art. 874.º a art. 1250.º mas também outras leges specialis), seja o contracto atípico nominado (liberdade de estipulação).
As partes, pois podem no contracto fixar a presentação, o objecto da prestação, lugar da prestação ou prazo da prestação).
Há limites do conteúdo que podem ser divididos em limites normativos e limites factivos (art. 280. º do C.C.). Limite primeiro e geral está incluído no art. 405. º n.º1 do C.C. O limite para o objecto do contracto, podemos encontrar no art. 280º do C.C (contracto é nulo cujo objecto seja física ou legalmente impossível, indeterminável. Contrário da lei, ordem pública ou bons costumes). No art. 282.º do Cód. Civil é consagrada a proibição dos negócios usuários no art. 282.º nº 2 o dever proceder de Boa-Fé no comprimento da obrigação.
Outros limites importantes resultam das várias normas imperativas (v. g, a máxima duração da locação no art. 1025.º do Cód. Civil) e da regulação dos contractos normativos. A restrição da liberdade da modelação do conteúdo do contracto (importante especialmente para os consumidores) é consagrada na nossa Lei de Defesa do Consumidor. Esta lei protege os consumidores de cláusulas contractuais gerais abusivas nos contracto de adesão.
Nos contractos que constituam, modifiquem ou extingam os direitos reais de natureza imobiliária nos termos do art. 1306.º do C. C. não há nenhuma liberdade de estipulação do conteúdo do contracto e por isso não se podem construir outros tipos de direitos reais no caso previstos na lei (numeruis clausuis). Os direitos de propriedade (uso, fruição, disposição-também, direitos reais) apesar de terem garantia constitucional são também limitados, porque tem que o ser dentro dos limites de lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305. do C.C.)
Nos direitos reais imobiliários, também funciona o princípio da livre aquisição e transmissão das coisas, entre vivo ou por causa de morte (tutela da propriedade privada- art. 14.º e 38.º da CRA), o princípio da tutela dos direitos de uso, fruição e desposição das coisas que pertencem ao proprietário (art. 1305.º do C.C.) e o princípio da livre realização de actos reais (por exemplo, criação de obras literárias, caça etc.)
No domínio das relações familiares resulta que elas não podem ser modificadas (v. g. contractos rígidos) e nas relações familiares patrimoniais há também algumas restrições.
Todavia, neste domínio são aplicadas as liberdades de celebração do casamento e de constituição da família (art. 35.º, n.º 1 da CRA), de querer divórcio por mútuo consentimento independentemente da forma da celebração do casamento, de (art. 79.º, al. a), do Cód. Fam. e segs.), de escolher o regime de bens do casamento, de declaração de maternidade)
No domínio dos direitos das sucessões, podemos encontrar a liberdade de transmissão sucessórias (transmissão de propriedade por morte-art. 2024.º e segs. do Cód. Civil), de (art. 2179.º do Cód. Civil) e revogação (art. 2311. º do Cód. Civil) do testamento e fixação do seu conteúdo (art. 2030.º do Cód. Civil), de dispensa da colocação (art. 2113.º do Cód. Civil) de partilhar em vida (art. 2029 do Cód. Civil) de aceitação da herança ou do legado (art. 2050. º e segs. Cód. Civil), do repúdio da herança ou legado arts. 2245.º e segs. do cód. Civil), de alienação da herança (arts. 2124.º e segs. do Cód. Civil)
Entretanto, os contractos sucessórios são proibidos no direito angolano.
No caso do testamento, há liberdade limitada com algumas restrições muito importantes para o funcionamento correcto deste instituto jurídico v. g. a proibição de algumas condições – art. 2230.º e segs. do C.C: ou a impossibilidade da disposição dos bens legalmente destinados aos herdeiros legitimários, é também chamados legítima – art. 2156.º do C.C.).
Enfim, no domínio dos direitos da personalidade manifesta-se também a autonomia privada. Mas, a autonomia privada, neste domínio, é limitada segundo o art. 81.º do C. C: , que proíbe as limitações voluntária contra os princípios da ordem pública.
Princípios da Consensualidade.
O direito moderno é dominado pelo princípio consensualista, segundo o qual basta o acordo de vontade para a perfeição do contracto, sendo por isso que o nosso Cód. Civil impõe que a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contracto, salvas as excepções previstas, na Lei. Não sucedia assim nos sistemas antigos, como o romano e o germânico, eminentemente formalistas e simbolistas, em que a celebração dos contractos obedecia a determinados rituais.
Portanto, não é necessário a tradição da coisa para que se transfira um direito real sobre o móveis nem se exige outro acto para os imóveis: basta o contrato que traduz o consenso das partes.
A regra da consensualidade, que se reconduz a liberdade declarativa ou de forma, encontra-se mencionada no art. 217.º do C.C. onde se reconhecem as declarações negociais expressas ou táticas, e no art. 219.º. Determina este último preceito que «a validade da celebração negocial não depende da observância da forma especial, salvo quando a lei o exigir» (art. 219.º, do C.C.). Logo, não se trata de um princípio absoluto.
Pode exigir-se, na verdade, a celebração do contracto e documento escrito com a intervenção de notário, mormente para lavar escritura pública ou de outra autoridade. A inobservância da forma legal estatuída tem como consequência que a prevista (art. 220.º, do C.C.). Todavia, admite-se a substituição do documento imposto por outro de maior força probatória (cfr. art. 364.º n.º 1, do C.C.).
Princípio de Boa-Fé
O Princípio de Boa-Fé exprime a tutela dos valores ético-jurídicos pela ordem jurídicas, superando o positivismo do direito pela sua consagração fora da lei e nas fontes materiais do Direito Civil. Apesar de penetrar todos os domínios do Direito, adquire especial significado no domínio dos contractos imobiliários e, combinação com o princípio da autonomia privada. Não se pode confundir com equidade que é a excepções previstas na lei.
A história da Boa-Fé remonta ao período arcaico na fides romana e tinha várias acepções- sacra (culto de deusa Fildes e sanções de tipo religioso), fáctica (garantias pessoais prestadas pelos protectores aos protegidos), ética (qualidades morais). Mais tarde, quando não havia a acção baseada na lei expressa, pretor permitia em casos julgados particulares, baseado na bona fildes iudicia para integrar as lacunas do Direito Romano e possibilitava assim uma desformalização.
A utilização subjectiva da bona fides continuou também no Direito Canónico, mas foi completada com alguns atributos éticos (ausência de pecado). No Direito Germânico Boa-Fé (treu und Glauben) evolui das ideias de crença, confiança, honra e lealdade. Primeiro foi Boa-Fé entendida só no sentido subjectivo.
Todavia, o código Napoleão (1805) consagrava já a Boa-Fé em ambos os sentidos, começando a penetrar todo o Direito Civil e cedo (em 1900) foi conseguido pelo Burgerlinche Gesetzbuch alemão (Boa-Fé no sentido subjectivo (guter Glauben), Boa-Fé no sentido objectiva (treu und glauben).
No direito Português, no Código de Seabra (18679, Boa-Fé foi ainda aceite só em sentido subjectivo, porém no nosso código de) 1966 foram consagrados já ambos os sentidos.
Como o já mencionado, a Boa-Fé pode ser interpretada no sentido objectivo e subjectivo. No sentido subjectivo, refere-se à situação em que alguém acha que actua em conformidade com o direito e ignora ou não conhece o vício ou circunstância anterior, ou seja, trata-se dum estado de consciência do agente. No sentido, subjectivo, a Boa-Fé não pode ser considerada como um princípio fundamental do Direito Civil nem como uma regra jurídica.
O nosso Código Civil utiliza, neste sentido, a Boa-Fé nas muitas situações. Por exemplo, no art. 243.º n.º 2) a Boa-Fé consiste na ignorância da simulação do tempo em que foram constituídos os respectivos direitos), art. 291.º, n.º 3 (considerar de Boa-Fé ao terceiro que desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável) art. 612.º (má-fé consciência do prejuízo que o acto causa ao credor art. 1260.º, n.º 1 (posse da Boa-Fé significa quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la que lesava o direito de outrem) art. 2076.º, n.º 2 (impossibilidade da acção contra terceiro de Boa-Fé que adquiriu bens de herdeiro aparente).
Alguns autores distinguem ainda a Boa-Fé subjectiva em psicologia e ética. A Boa subjectiva psicologia acontece quando lei se contenta só com o desconhecimento (por exemplo, a posse no Direito Romano) e a Boa-fé subjectiva a ética exige ainda que o desconhecimento não possa ser reprovado.
Também, em, objectivo, a Boa-Fé uma regra jurídica ou princípio normativo que consagra um critério determinado da solução. No domínio dos contractos, a boa-fé no sentido objectivo, constitui uma regra de consulta ou cláusula geral, segundo a qual as partes deviam agir de modo honesto, correcto, leal e fiel.
O Princípio da Boa-Fé, ou seja, boa-fé em sentido objectivo, pode depois ver uma projecção negativa, quer dizer, impedir uma série de comportamento (por exemplo, o credor não pode pedir mais do que devedor lhe deve) e uma projecção positiva que impõe uma série de deveres (por exemplo, deveres bilaterais resultam directamente da Boa-Fé).
A Boa-Fé, em sentido objectivo, podemos encontrar no C.C. durante a negociação para conclusão de um contracto (culpa in contrahendo) prevista no art. 227.º n.º 1, na intregração do negócio jurídico do art. 239.º, na ilegitimidade de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-Fé (abuso do direito) – art. 334.º na obrigação de verificar se a alteração ou modificação das circunstâncias em que as partes que celebram contrato foram em conformidade com o Princípio ou no exercício do direito correspondente – art. 762. O princípio da Boa-fé, portanto, influencia a relação contratual desde o seu início (art. 227.º do C.C.), durante o cumprimento das obrigações e o exercício dos direito correspondente (art. 334. º do Cód. Civil) e também depois da sua extinção art. 762.º do Cód. Civil.
Com a celebração do contracto as partes não aceitam só os devedores das obrigações do contracto, mas também os deveres que têm a sua origem no princípio da Boa-Fé e que servem para integrar as lacunas contractuais. O princípio da Boa-Fé manifesta-se também muitas vezes no domínio da responsabilidade civil pré-contractual, contractual e mesmo pró-contractual.
Muitas normas jurídicas que apelam ao princípio da Boa-Fé em sentido objectivo, inspiram-se no Princípio da confiança (pacta sunt servanda) ou seja pela necessidade da tuteia da confiança. Esta tutela jurídica deve tutelar a confiança de alguém no comportamento de outrem e pode, nalguns casos, criar a obrigação de indemnização pelo não cumprimento das legítimas expectativas.
Sem a tutela da confiança, haveria uma insegurança grande nas relações jurídicas que necessariamente terminaria com paralisação ou pelo menos com dificuldades extremas da vida jurídica, porque seria necessário desconfiar de todas as aparências e verificar todas as circunstâncias, pessoas, funções e poderes. No direito angolano, a protecção da confiança é exercida através de disposições legais especificas e gerais que ocorrem, quando o direito reconhece uma vantagem que normalmente não seria atribuída, por causa de uma pessoa legitimamente acredita no estado das coisas ou estar sem saber sobre esse estado. As disposições gerais de tutela da confiança, manifestam-se principalmente na protecção contra o abuso do direito (art. 334.º do Cód. Civil).
Para esta tutela, são necessárias algumas condições definidas pelo direito positivo ( situação de confiança – Boa-fé subjectiva, justificação para essa confiança elementos razoáveis desta confiança, investimento de confiança – a pessoa efectivamente desenvolve uma actuação baseada na confiança e imputação da situação de confiança – outra pessoa vai ser atingida pela protecção atribuída pelo confiante). Enfim, e portanto, agir de boa –fé – tanto no contexto do art. 334.º como do art. 763.º do C.C. é «agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte é ter uma conduta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não podia tolerar»
O Regime processual contrário à Boa-Fé, tomando como legitimidade de má-fé, vem definindo no art. 456.º do CPC, de que resulta a imposição tendo ligado da má-fé a parte será condenada em multa e numa indemnização a parte contrária se está a pedir.
Princípio de vinculação.
Os direitos dos contractos produzem efeitos particulares, segundo a natureza de cada um e o acordo de vontade que integra o seu conteúdo.
Existem, porém um aspecto comum a todos eles que se consubstancia no princípio da força vinculativa ou da obrigatoriedade. Este significa que uma vez celebrado o contracto plenamente válido e eficaz, constitui lei imperativa entre as partes (lex private).
É o que expressa o art. 406.º n.º 1 do C.C. «o contracto deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraente ou nos casos admitidos na lei».
Desenvolver-se, portanto a norma ou princípio da força vinculativa através de outros três princípios: o da pontualidade, utilizando a lei a palavra «oportunidade» com o alcance de que o contracto deve ser executado ponto por ponto, quer dizer em todas as suas cláusulas e não apenas no prazo estipulado. E o da irretratabilidade ou da irrevogabilidade dos vínculos contractuais e da intangibilidade do seu conteúdo. Os dois últimos fundem-se no que também se designa por princípio da estabilidade dos contractos.
Retirado do Livro: Direito Imobiliário Angolano, Real Estate. Regulação, Enquadramentos e Procedimentos, do jurista angolano, Domingos Frnacisco João.
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